CRÍTICA COMÉDIA
O simulacro satírico de CORRA COMO UM COELHO tem como
grande trunfo a trinca dos excelentes atores-criadores
ALEXANDRE MATTO
Jurado do prêmio ESSO
Ao adentrar na platéia da Sede da Cia. LCT, com o cenário já iluminado, o espectador tende a levar um choque: em cena um grande cenário de gabinete. Construção rara nos dias de hoje, sobretudo por conta de ásperos serem os tempos que nos é dado viver... Parte da grana que entra para o grupo, e que provavelmente, não deve ser muita deve destinar-se ao transporte do material de cena.
Ao deparar-se com aquele material cenográfico – e é inevitável – a imaginação corre solta, criando hipóteses de que, provavelmente, o que se assistirá deva corresponder a um drama clássico. Antes de o espetáculo começar, vê-se uma mulher caída em cena. Duas pistas: o cenário naturalista e a mulher, vestida de vermelho, caída. O foco encontra-se na cena, mas o espectador é surpreendido por dois atores que, aparentemente bêbados, irrompem da plateia. No palco, os dois atores digladiam-se por meio de trombadas. Naquele cenário e com os figurinos realistas alguma coisa afigura-se fora de foco... Primeiro desmonte das hipóteses iniciais. A falta de sincronia entre as partes, àquela altura, remetia ao título da obra...
Levantada do chão, a mulher de vermelho e de cabelo à la Chanel, começa a falar. Fala confusa, repetitiva, sem revelar algo de si ou daquele contexto.
A atriz Tetembua Dandara é fantástica, compõe sua personagem de modo tão excêntrico (abrigando a duplicidade compreendida entre o inusitado comportamental e a tipologia de palhaço), que ao cabo de pouco tempo, parece desnecessário saber quem ela representa. O carisma e domínio da atriz intentam o jogo e a percepção segundo a qual, parafraseando verso de música: se verá que tudo é mentira. A mulher de vermelho não é personagem, é uma figura. Do mesmo modo os dois “trombetantes-atores”, também não são personagens, são figuras lúdicas. Ao se formular tal hipótese, desmontando todas as outras, o espetáculo se redimensiona, transforma-se em jogo de advinha...
Do estoicismo das pistas iniciais o espetáculo (construído, intuído em nossa cabeça) migra para o reinado do hedonismo e do prazer da diversão, do entretenimento. Trata-se de um exercício de entretenimento contando com a verve dos três intérpretes. Divorciado de outras preocupações, o espetáculo escorre como água para chocolate. Não há o que entender, mas o que se permitir.
No jogo instituído pelos atores e pela direção, ocorre um jogo sem que se saiba (e passa a não importar) como as peças se movimentam. Sabe-se que essas peças-figuras têm uma lógica não cartesiana, que se apresentam a partir de solos (corporais e falados, corporais, ou falados...) e que suas intervenções, pautadas pela experimentação performática assemelham-se enormemente nos chamados números de cortina do (pouco conhecido) teatro de revista.
Na obra, para além dos mencionados filme de David Lynch, Lewis Carrol, Dorothy Parker, pode-se perceber a suicida do filme Delicatessen (1991), de Dona Zero, personagem criada por Elmer Rice para o texto A máquina de somar (1922-23) e tantos outros efeitos-imagens que formam a colcha de retalhos que caracteriza a obra.
Do ponto de vista dramatúrgico, é bastante provável que a partitura do espetáculo seja fechada, mas os atores, por sua capacidade de jogo, conseguem transcendê-la e quase dar a entender que improvisam a todo o momento. Nesse particular, o mérito é da diretora e dos três intérpretes.
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